Morte aos cangurus
"I come from a land down under Where beer does flow and men chunder Can't you hear, can't you hear the thunder You better run, you better take cover." MEN AT WORK
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Dia 28 - posfácio
Pronto, é isso aí, acabou. A saída do Hotel é às 10:00, o voo sai às 16:00, então vai haver bastante tempo pra lembrar que ao menos a vida em São Paulo, com todo o calor, trânsito e os incontáveis e sucessivos segundos dedicados à tarefa de meramente existir em vão, ao menos embute o alívio de não ter que carregar uma mochila de uns 10 kg nas costas.
E, por falar em mochila, ela costumava ter 20. No final, o grande herói desta estória foi o iPad, em que pesem todas as dificuldades com o tecladinho virtual, o wi-fi meia-bomba e as escrotices do Steve Jobs para garantir a incompatibilidade dele com qualquer coisa que não seja Apple. Dentro desta caixinha de meio quilo couberam todos os filmes, livros, revistas em quadrinho, músicas, cursos, mapas e até um localizadorzinho tipo GPS que me foram tão úteis ao longo da viagem, e a mochila ficou tão mais leve... Menção honrosa também para minha fiel escudeira Akiko, que mais uma vez suportou 28 dias ininterruptos ao meu lado, praticamente sem reclamar. Tá bom, eu mesmo já carrego este fardo há 41 anos, mas não tenho escolha, e, ademais, quem disse que eu me suporto?
De volta à sentença de vida agora. Mas um dia o câncer chega.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Dia 27 - Auckland
Hoje vou dormir 1/10 menos macho do que acordei.... 1/20, na melhor das hipóteses.... Passando pela frente de uma lojinha de gosmas e melecas para a pele, fui vítima de estratégia de marketing agressivo e, além de ganhar um monte de creminho e lama do mar morto passada nas mãos, fui submetido à demonstração de uma lixinha bacana para polir unhas, e ainda por cima bem naquele dedo que a gente mostra quando quer ofender alguém. A lixa realmente é surpreendente, mas o resultado, vê-se aí na foto, me afrescalha consideravelmente.
O pato que pedi no almoço veio com arroz, em vez do macarrãozinho prometido no cardápio. E comê-lo deve ser experiência semelhante à de comer a Demi Moore recentemente: a gente só pega osso.
E o vazamento em um gasoduto lá no cu da Nova Zelândia causou o fechamento do gás de boa parte do país, então nada de chuveiro quente nos últimos dois dias, apenas banho de canequinha com água esquentada na cafeteira elétrica.... E o pior é que funciona menos lastimavelmente do que eu imaginava... De repente a vida é simples, e a gente precisa de pouco pra ser feliz. São a gula e a voracidade selecionadas centenas de milênios atrás, quando eram evolutivamente vantajosas, o que nos faz gordos e infelizes. E putos porque queremos água quente no chuveiro.
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Dia 26 - Auckland
Questão de conhecimentos gerais: O que é pequeno, meio caidinho e frequentado por no máximo umas 30 pessoas no dia? O birigui do Aderbal? Não só ele.
Hoje fomos ao Rainbow's End, o Playcenter local. Apesar da distância, de demandar um busão de 6 dólares só pra chegar (e voltar de) lá, e de, como já dito, não ser assim o paradigma da categoria "montanhas russas", até que bem decentezinho.... E o mais bizarro, quase absolutamente vazio... Pela primeira e última vez na vida, em vez de esperar duas horas na fila pra dar aquela andadinha de 30 segundos no brinquedo, e com um gordão bem fedido suando ao meu lado, os sonolentos operadores dos aparelhos gesticulavam, de dentro das cabines, se queríamos dar mais uma volta. Bati meu recorde pessoal, de 33 voltas dadas entre os diversos aparelhos. Também meu recorde de ridículo intrínseco, senhor de meia idade que sou, com barbas grisalhas e testa já chegando na bunda, passeando de montanha-russa ao lado de adolescentes desfigurados pela acne. A juventude nos abandona impiedosamente, mas o infantilismo do espírito não...
De qualquer modo, a mesquinhez rabugenta dos idosos eu cultivo bem... A 49 dólares o passe livre para o parque, cada volta nos brinquedos me custou apenas uns 1,20 dólares.
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Dia 25 - Auckland
Pronto, última escala da viagem, já desagradavelmente quentinha para eu ir me acostumando com a volta à fornalha daqui a uns dias. Mas, na comparação com São Paulo, ainda faltam a Auckland o trânsito, os ônibus lotados, nossos amigos de pra lá do trópico de Câncer escarrando no chão, os assaltantes e as centenas de "ciclistas" empata-foda pedalando a 2 km/h lá na ciclovia.
Estou me acostumando a comer a seco, e deixar pra ir tomar o refrigerante no hotel depois... Uma garrafa de litro e meio comprada no supermercado custa, na promoção, um dólar. Uma latinha, no restaurante, bate nos 3,80 tranquilo...
Os filhos da puta do hotel descontaram o pagamento do meu cartão de crédito, então agora dá-lhe imposto da Dilma em cima da fatura, e a televisão não sintoniza canal nenhum. E eu, como se vê, tô sem assunto.
domingo, 23 de outubro de 2011
Dia 24 - Rotorua
Constatação número 1: A cidade cheira a peido. Estância de águas sulfurosas e coisa e tal, mas não deixa de parecer que estou passando férias nas nádegas de deus.
Constatação número dois: Puta pessoalzinho ocioso, hoje novamente é feriado por aqui, dia do trabalho desta vez, acho que a o quarto desde a Austrália. Parecem nossos simpáticos e circuncisados irmãos filhos de Abraão e Davi, de cujo sangue carrego algumas gotas em minhas próprias artérias, mas de cuja profusão de feriados não me é dado desfrutar...
E ontem à noite teve a final mundial de rugby entre a Nova Zelândia e a França... A dinâmica do jogo é incompreensível, mas ver aquele monte de machos fortões ejaculando testosterona enquanto urram ameaçadoramente pro outro time e logo em seguida alegremente se jogando uns sobre os outros, se esfregando gostosamente na bunda alheia,no que parece mais condizente com as saunas gays do que com arenas esportivas, reaviva minhas convicções de que Freud foi um tiozinho esperto quando propôs o conceito de formação reativa. Como esperado, ganharam os All Blacks, seleção da Nova Zelandia repleta de brancos loirinhos de olhos azuis.
E como já dizia o maior de todos os poetas, Augusto dos Anjos: "Eu, filho do carbono e do amoníaco, monstro de escuridão e rutilância..." Somos barro, da lama viemos e à lama voltaremos. No meio tempo, na lama permanecemos e no lodo chafurdamos, e isto nunca foi recentemente tão verdade quanto hoje, dia de ir lá esquentar o traseiro na pocilga geotérmica de Hell's Gate, a 90 dólares por cabeça. Diz o guia que a lama cinza daquele poço de piche tem propriedades medicinais, que abre todos os seus poros e suga todas as impurezas lá de dentro, assim meio como uma chupetinha dermatológica. Se a lama sugou as impurezas de minha pele eu não sei, mas tenho certeza de que meu rabo sugou metade da lama lá do local, e vai levar mais uns 3 banhos para devolver tudo à natureza.
Depois, almoço a 23 dólares por vivente num buffet de comida, o primeiro da viagem, prodigamente escassa em igrejas, concertos de música e buffets. Desnecessário contar da orgia alimentar, empurrando comida pelo tubo digestivo até xibiu fazer bico, e dos 3 dias de culpa que agora me acompanhará... Isto porque ontem já tinha rolado um Burger King...
Dia 23 - Rotorua
Mais um dia bucólico fugindo da chuvinha sob rodas e achatando o traseiro numa poltrona de ônibus, a caminho de Rotorua. Almoço num botecão de beira de estrada, com uma "torta de pastor" (sic) carinha mas bem decente. Se fosse no Brasil, o mesmo lugar teria para vender coxinhas suspeitas e ovo colorido.... Mas o mictório é tão nojentão quanto.
Minha barba, depois de mais de 3 semanas sem ganhar um trato além daquele irregularmente proporcionado por minha tricotilomania incipiente, está assim uma selva amazônica de fazer inveja à mata atlântica da Claudia Ohana. Um pedaço de batata frita perdido ontem mais ou menos nas imediações de meu queixo foi recuperado só agora há pouco, enquanto eu escovava os dentes. E fico pensando que haveria mérito em exercer um pouco de alo-tricotilomania na Claudia Ohana, que afinal já deve estar com a vegetação ciliar tão grisalha quanto minha barba.
Li ontem ou anteontem na Folha via internet que estão pegando pesado nas represálias ao carinha do CQC. Não gosto deles, e, bem mais do que o humor grosseiro que fazem, desaprovo a postura de transgredir sistematicamente os direitos civis daqueles que julgam desonestos, à qual acreditam ter direito em nome da "liberdade de imprensa", ou de certa superioridade intrínseca de caráter. Sou (bem pouquinho...) mais sofisticado e indubitavelmente mais pobre do que qualquer um deles, mas este tipo de coisa me faz temer pelas próprias merdas que escrevo, ainda que, com sorte, ninguém esteja lendo mesmo.
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Dia 22 - Wellington
Pronto, senhoras e senhores. Na primeira foto, finalmente aquilo que todos os (raríssimos) leitores aguardavam ansiosamente: apesar dos efeitos da idade, da velhice da alma, da flacidez do espírito, o Aderbal trepando!!!
Mais tarde, depois de ter dado aquela trepadinha, café da manhã sublime, com uma fatia de fudge de caramelo correta e, principalmente, por míseros 4 dólares, um copão com dose dupla do melhor café orgânico que já tomei, completado com leite, com uma espuma mais densa e encorpada do que o gozo do capeta, e tudo de uma barraquinha de comida de rua, não de alguma loja metida de café Suplicy a 18 reais a ridícula xicrinha de 50 ml...
Depois, a cota diária de museus e coisa e tal, mas pelo menos num deles tinha um filminho bacaninha em holograma (vide foto...)
Seguindo com um dia que parece ser iminentemente gastronômico, um belo kebab com real cara e gosto de kebab da viagem, e daqui a pouco deve ter outro milk-shake, desta vez acho que vou pedir de butterscotch... Só o que não tem é internet fácil, então, em vez de transmitir isso aqui logo pra ninguém ler mesmo, fico acrescentando relatos supérfluos, de relevância inexistente...
Dia 21 - Wellington
Nada de muito memorável hoje, com o dia praticamente todo passado num ônibus de Christchurch a Picton, e num ferry de lá a Wellington. Parece fazer parte do preço da passagem a imitação de guia turístico que os motoristas fazem, passando toda a viagem enchendo nossas orelhas com informação aleatória, inútil, mas às vezes curiosa. Depois pra jantar, macarrão instantâneo preparado na base do contorcionismo com água da cafeteira porque o hotel não tem forno de microondas nos quartos. E, ponto alto do dia, de sobremesa milk-shake de english toffee.
Pronto, cumpri tabela, escrevi alguma coisinha mesmo não tendo porra nenhuma relevante pra contar. Não invejo colunistas que têm a obrigação de produzir com regularidade.
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Dia 20 - Christchurch
Depois do terremoto, não há muito o que fazer na cidade além de visitar um museuzinho de aviação meio furrequinha lá no cu da cidade. Mas há também coisa mais mórbida, o próprio turismo de ruínas, que encarei a contragosto e sob olhares de censura dos locais só para tirar fotos para vocês, meus um ou dois leitores acidentais. De qualquer modo, é mais interessante do que entrar numa igrejinha ou museu a mais, e assustador ver, mesmo à distância, a terra de ninguém em que todo o centro da cidade se tranformou. 148 mortos no último tremor, em fevereiro de 2011. Um veemente monumento à aleatoriedade da existência.
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Dia 19 - Christchurch
Observações pedestres que foram ficando pelo caminho, mas tão valendo, porque não sei se depois rola internet fácil ao chegar em Christchurch:
Usei a mesma calça por 14 dias, um novo recorde suíno em meu currículo. Ao fim deste pequeno experimento sanitário, a pobre peça de roupa estava mais dura e esticada do que determinadas porções de minha anatomia já foram um dia. A mente permanece comparavelmente suja.
67 quilos pesados por ocasião do bungy jump. Caceta, a sorte até que durou bastante. Daqui pra frente, é ladeira abaixo e pança acima...
Os dois últimos dias foram passados embaixo de chuva, o que não chegou a comprometer o bungy jump em si, mas comprometeu a beleza da experiência. No dia anterior, prejudicou mais o passeio a Milford Sound (qual a palavra em português para sound?), ainda assim belo, mas passado sob a clausura do interior do barquinho. Meio como estar numa das cenas lá pela vigésima-primeira hora do Senhor dos Anéis, mas com um dos snaguls soltando uma coriza interminável sobre nossas cabeças.
A cidade em geral, e o hotel, em particular, sofre de uma escrotíssima infestação de brasileiros, é pior do que estar na Disney. E o caipirão aqui se sentindo muito superior a eles, como se tivesse nascido na Suécia.
E meu inglês, que já foi tão apreciável um dia, vai desaparecendo, castigado por duas décadas em que tem sido usado para pouco mais do que pedir informações e comprar milk-shakes anualmente em minhas férias. Mas ainda assim sou um nojo, e desprezo a garotadinha do intercâmbio que lota meu elevador...
Agora, vamos pra Christchurch. Que os terremotos espantem a brasileirada, e a chuva.
No busão de Queenstown para Christchurch, uma volta ao mundo climática em 8 horas e 600 quilômetros. Desde pastos verdes e sequinhos, passando por vilarejos completamente imersos em neve (yes, babem de inveja, enquanto suam como porcos na véspera de ano novo aí em SP: neve!), até a indefectível chuva que voltou a nos atingir ao chegarmos à cidade. Mas a maior surpresa ainda nos aguardava: todo o centro da cidade, com o já não muito o que havia para ver e fazer por aqui, está semidestruído ou interditado, pra não haver cabeças em cima das quais cair quando acontecer o próximo tremor. Então o programa de hoje até o momento é televisão, pizza pronta de supermercado e umas flexões displicentes de braços, pra tentar fazer de conta que este mês de sedentarismo não está arruinando o último ano de marombagem insana para combater minhas banhas abdominais. Quem sabe esta noite tem tremorzinho, e dura mais do que os instantes do bungy jump.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
Dia 18 - Queenstown
O cagaço é como as duplas sertanejas, apresenta-se das mais diversas formas. Meus dois maiores terrores sempre foram, nesta ordem, a eternidade e a tetraplegia. A primeira, além de inverificável antes de dado o último suspiro, ou tossida, já não me parece coisa provável desde meus 10 anos de idade. Mas continua apavorante pelo terror que o conceito em si expressa. Simplesmente considerar as consequências deste improvável já deve nos tirar o sono a cada noite de nossas vidas. Já a tetraplegia, ou suas muitas variações, em essência, é coisa bem mais provável. Inevitável até, eu diria. Por sorte, mais frequentemente a demência senil, os AVCs ou atropelamentos acabam nos atingindo antes da tetraplegia, mas isto é mero artifício estatístico.... Dada uma quantidade infinita de vidas, ou muito grande delas, como acreditam alguns, é probabilisticamente inevitável que, em algum momento, algum acidente tetraplegicamente incapacitante nos atinja. Portanto, para evitá-la, é necessário ser definitivamente mortal E sortudo. Dá para dizer que tetraplegia está para a eternidade como a gonorréia está para a AIDS: a primeira, se foder, pegou. A segunda, se pegar, fodeu.
Bem, estou indo desafiar a tetraplegia, e muito colateralmente cuspir no olho da eternidade, logo mais. Logo após fazer a reserva, anteontem, passei a sentir uma curiosa calma, semelhante àquela dos que recebem a notícia do câncer incurável... Mas agora, quando apenas alguns minutos me separam do salto, o instinto de sobrevivência insiste em se fazer notar. E os vasos sanitários já receberam 4 visitas minhas em menos de hora e meia...
Momentos derradeiros agora... Aumenta o pânico não do rompimento da corda, o que não seria problema, e sim solução, mas de algo como descolamento de retina. Um dos funcionários conta que o incidente mais grave ocorrido nos 12 anos desta rapinagem monetária foi um ombro deslocado. Volto a ficar apenas apavorado, não mais em franco pânico. Bom, é isso, vamos nessa !
E o bungy jump é a ejaculação precoce dos esportes radicais. Quando você mal espera, já acabou. Lembro-me dos dois segundos de "agora ferrou" quando estava marchando lá na prancha, do centésimo de segundo de absoluto terror ao pular em direção ao irreversível, de escutar meus próprios gritos involuntários, e então já havia terminado. Não há tempo para estudar a queda, consultar as próprias sensações, sentimentos, quiçá pensamentos. Espertamente, eles oferecem ali, na chincha, um segundo salto por 129 dólares adicionais. Concluí que já havia arriscado minhas retinas, arteríolas encefálicas e provisões monetárias o suficiente por um dia, e que provavelmente o segundo e terceiro salto também pouco bastariam. Espero que um dia, quando eu estiver pendurado não numa corda, mas na Ana Paula Arósio, a coisa dure mais tempo.
Dia 17 - Queenstown
Algumas experiências são tão salientes no repertório de comportamentos humanos que, não importa se temos alguma vocação ou interesse específico por elas, é empobrecido passar pela vida sem tê-las ao menos provado. Como fumar um baseado. Visitar Paris. Dar a bunda. Das três, duas já fiz. E há então o suicídio, desde Camus a única questão filosófica realmente relevante. O mais radical ato de afirmação de liberdade humana, também o derradeiro. A iniciativa com a qual alguns pontuam suas existências para que a enunciação destas ganhe sentido. Ou com a qual renunciam definitivamente à fantasia de que algum sentido maiúsculo é possível. O que diferencia o suicídio da, como já citada, sodomia, é sua irreversibilidade, mesmo após muitas semanas do uso intensivo de Hipoglós dinossauro, o que torna tecnicamente difícil usufruir de uma amostra grátis.
E eis que então, há umas tantas semanas, uma amiga com quem eu conversava sobre minha iminente viagem à Oceania, descreveu o salto de bungy jump que havia dado como uma experiência de quase-suicídio, e dentro de mim se fez luz (não, continuo não falando de sexo anal...). Acabo de agendar meu salto para amanhã!!! A maior e mais célebre plataforma para esta atividade no planeta. 260 exorbitantes dólares, não reembolsáveis. O cagaço me devora e me consome, mas minha mesquinhez é bom motivo para impedir meu acovardamento. Amanhã, por 6 segundos e 134 metros, morrerei um pouquinho. E, se tudo der certo (ou errado, dependendo do referencial), descreverei tudo para vocês um ou dois abnegados leitores.
sábado, 15 de outubro de 2011
Dia 16 - Queenstown
Todo mundo tem seu dia de Tom Hanks, o meu acaba de se iniciar, e não é devido à velocidade de minha perda de cabelo. Passamos por uma revista animal de nossas malas no aeroporto de Wellington, de onde sai logo mais pela manhã a conexão para Queenstown, porque resolvi ser honesto e declarar minhas ritalinas. Até minhas cuecas foram cheiradas (espero que com uma boa impressão) pela tia mal-encarada da alfândega, e, no final, para o que menos deram atenção de fato foi a bolsinha de remédios. Ou o pessoal aqui toma muita bola, do que duvido, ou não têm a menor idéia daquilo que estão controlando em termos de medicamentos. Até a pobre Akiko, que já me tolera há 15 dias nesta viagem, entrou na dança, e tudo o que carrega em sua bagagem são alguns galões de cremes para passar na bunda.
Descobrimos então que o aeroporto fecha durante a noite, a rigor deveríamos voltar só pela manhã, mas nos foi aberta uma exceção para permanecermos no saguão, num terminal enorme, absolutamente deserto, só para nós. Nem Viktor Navorski conseguiu tanto, no filme o aeroporto sempre estava cheio de gente ! Agora me deem licença, vou dar uma volta no MEU aeroporto.
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Dia 15 - Brisbane
Hoje o sol volta a se impor com toda sua impiedosa crueldade. E a gente lá esturricando numa visita guiada ao jardim botânico da cidade... Agora, partindo para a Nova Zelândia, devo conseguir umas duas semaninhas de relativa trégua do calor... Depois, é só voltar para São Paulo para sofrer o resto de minha lastimavelmente longa e superaquecida vida.
Finalmente hoje conseguimos comer nosso primeiro autêntico bifão australiano, como demonstra a foto. Isto é, se como tudo atualmente, o boi deles também não for made in China.
E logo mais, madrugadona deliciosa dormindo num chão de aeroporto, pra ficar bem em contato com a terra....
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Dia 14 - Brisbane
O trem viajando em direção a Brisbane noite adentro, e eu, febril, na minha viagem particular, visitando sei lá, Uluru, o umbigo do mundo. Durante o percurso uma mosca varejeira pousou em mim. Devo estar morrendo, as moscas sabem das coisas. Ou não, é só nariz assado à toa, em mais um pequeno capítulo da sucessão de gratuidades que constituem a experiência humana. A cidade está quente de fato, mas pelo menos está meio nublado, então o sol impiedoso não castiga tanto.
Dia 13 - Sydney
No final, preciso reabilitar parcialmente os crocs... Digo, esteticamente continuam imperdoáveis, fazem os pés suar muito para um sapato com tantos furos, mas até que são razoavelmente confortáveis, ao menos mais do que os tênis duros de 85 reais que comprei na pressa na lojinha de trecos para futebol ali na esquina. Sorvete a 4,95 dólares uma bolinha mais minúscula do que meus testículos, mas pelo menos era sabor de creme brulée...
Agora, 14 horas de viagem de trem até Brisbane. 28 graus segundo o moço do tempo. A própria filial das caldeiras do inferno.
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Dia 12 -Sydney
Ainda não consegui aqui uma noite em que o cobertor fosse o melhor amigo do homem. Mas, na tentativa, liguei o condicionador de ar bem doidão na noite passada. Já de madrugada a faringe seca me deu a pista do que me aguardava: um resfriado gostoso, com o nariz pingando mais do que piroca de estivador, dor de garganta feroz, mal-estarzinho. Logo deve vir alguma febre. Mas, se é pra ficar doente, vírus australiano é superchique, né ? No almoço, um caminhão dos Vigilantes do Peso, o "banquete itinerante", distribuía de graça amostras de comidinhas com 100 calorias por prato. Não tem foto aqui na postagem porque a anta que vos escreve apertou o botão errado do iPad, o de vídeo. À tarde 600 metros nadados na piscina pública de Sydney. Era pra ser 1000, mas me acovardei pela temperatura da água. Mas os olhos ardem, e ardem, ate agora, devido à quantidade de cloro na água. E eles já nunca mais foram os mesmos desde que borrifei um protetor solar em spray dentro deles. À noite, durante a deglutição de uma quantidade irresponsável de pizza, alarme falso de incêndio no hotel, mas foi divertido ver todas aquelas senhoras, como eu, ou meninas, como já fui um dia, correndo para a rua em seus robes e pijamas.
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Dia 11 - Sydney
Ontem, já que quando em Roma.... Ópera na Opera House. 47 dólares por cabeça, visão parcial do palco. E puta que o pariu: Philip Glass já escreveu 19 óperas, o John Adams umas 7, e na nossa vez resolvem encenar Don Giovanni.... Mas, enfim... podia ter sido Banda Calypso... No final, fomos realocados para os lugares de 105 dólares e visão total, então novamente o negócio pareceu relativamente vantajoso.
Ópera clássica nunca me convenceu muito, e esta acabou demonstrando não ser exceção. Em umas 3 horas de apresentação, o texto permaneceu no máximo sofrível, e a música, indolentemente incidental, com exceção de uma meia dúzia de momentos de não mais do que 30 segundos de temas mais fortes e criativos. Do melhor deles, Michael Nyman se apoderou, agora vejo que muito Iiteralmente, para compor seu In Re Don Giovanni, o que de certo modo apequena esta última peça. E o texto muito frequentemente não casa com a música, o que dá aquela impressão de algo num meio de caminho ruim entre o declamado e o cantado. Para ser justo, tive a mesma impressão a respeito de Kepler, a última ópera do antigamente enorme Philip Glass: música preguiçosa, repetição genérica do vocabulário minimalista sem esforço algum para compor temas mais elaborados, e libretto lastimável... Puro piloto automático. A evolução e superação natural da ópera erudita demonstrou ser os musicais da Broadway. Qualquer montagem de Chess, dos caras do Abba e Tim Rice, bota a obra inteira de Puccini no chinelo.
Dá o que pensar... Por que coisas em si mesmas tão medíocres acabam se estabelecendo, sendo reconhecidas como clássicas, e em algum momento se tornam indiscutíveis, donas de um tamanho e relevância que não parecem decorrer de sua qualidade intrínseca ? Música atonal sempre foi um lixo. Glass e Vangelis hoje são sombras vagas do que já foram um dia. Mas Hovhaness e Havergal Brian ninguém conhece. E Wim Mertens, que já foi fundamental, permanece relevante. 98 % do que Hegel escreveu e uns 77 % de Kant são besteira confusa incompreensível, e ainda assim são tidos meio como o Mozart e o Beethoven da filosofia. Mas Cióran ninguém leu, inclusive eu e a mãe dele. Os evangelhos passaram séculos no mais absoluto desconhecimento e irrelevância desde o momento em que alegadamente teriam sido escritos, até que fatores iminentemente históricos e cinscunstanciais levaram ao início de um culto que hoje tem o reconhecimento e tamanho do Cristianismo. Lacan não precisaria ter sido tão hermético se não temesse expor com mais clareza o que formulara. E Moreno nem chega a merecer ser considerado difícil, é simplesmente caótico e mal-escrito mesmo. Mas pelo menos pra este último só um punhado de jogadores aqui da segunda divisão dá alguma bola.
Pronto taí... Crítica musical e digressões variadas, superficiais e mal-embasadas pra variar... Amanhã eu retomo a escatologia...
segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Dia 10 - Sydney
Sydney seria uma belíssima metrópole se tivesse um pouco mais de frio e templo nublado. Dias de sol em cidades frias são gloriosos, dias de sol em cidades quentes são tropicais demais, têm um certo tom de carnaval um pouco incômodo...
Mas hoje consegui roubar dois wraps do fim de feira de uma mesa de coffe break de um evento privado num museu de moedinhas que visitamos. Então, depois do almoço grátis e de exercida minha brasilidade, até que o saldo do dia segue bom...
Há internet pública pela cidade inteira, só não no hotel, que insiste em cobrar por ela, então farei o máximo para prestigiar as duas ou três pessoas que estão lendo isto aqui, se tanto, mas não prometo....
Dia 9 - Canberra
Fiz ontem minha primeira grande bosta da viagem... Ou melhor pisei hoje na bosta feita há mais de um mês, quando reservei para o dia errado a van que nos levaria de madrugada ao aeroporto para o voo de Hobart a Canberra. Dá-lhe então procurar desesperado por um táxi às 4 da manhã, com o tempo urgindo, e no final 43 dólares introduzidos desnecessariamente no traseiro. Mas como dizia um supervisor de que tive, ainda que sua prática nem sempre reproduzisse seu admirável discurso: dinheiro a gente ganha de novo, vida não.
Mas, voltando a Canberra: tive aqui novamente uma impressão que já experimentara em Washington e, em exemplo bem menos pernóstico, Brasília. Parece que não tem gente morando na cidade... Um monte de museus, monumentos, embaixadas, hotéis, algum comércio, então há gente trabalhando e visitando a cidade, mas onde estão as casas, ou apartamentos, e gente local simplesmente existindo aqui ?
Agora, a caminho de Sydney. E diz a previsão do tempo que Brisbane está o inferno na Terra, 28 graus centígrados me aguardam.
Dia 8 - Canberra
Canberra aos domingos é algo parecido com andar pelas ruas de Brasília durante uma semifinal da Copa do Mundo. Claro, sem o Sarney e com um sol um pouco mais ardido. A acomodação hoje é um hotel de verdade, evidente que por um preço ainda mais de verdade, mas pelo menos vai ter banho de banheira e exercício numa bicicletinha meio bunda na sala de ginástica do estabelecimento. Depois do pratão enorme de comida indiana apimentada do almoço de hoje, pouco posso fazer em defesa do bolso ou de, digamos, porções mais distais de minha anatomia. Mas combater um pouco a pança, acho que dá.
E por falar em bolso, finalmente me convenci de que, na macroquântica monetária da Austrália, a unidade de valor de Planck é dois dólares. Este é o menor preço possível para qualquer coisa, seja garrafinha de água, cafezinho ou porção de jujuba. Nada custa menos de dois dólares, quase tudo custa bem mais.
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