segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Dia 18 - Queenstown



O cagaço é como as duplas sertanejas, apresenta-se das mais diversas formas. Meus dois maiores terrores sempre foram, nesta ordem, a eternidade e a tetraplegia. A primeira, além de inverificável antes de dado o último suspiro, ou tossida, já não me parece coisa provável desde meus 10 anos de idade. Mas continua apavorante pelo terror que o conceito em si expressa. Simplesmente considerar as consequências deste improvável já deve nos tirar o sono a cada noite de nossas vidas. Já a tetraplegia, ou suas muitas variações, em essência, é coisa bem mais provável. Inevitável até, eu diria. Por sorte, mais frequentemente a demência senil, os AVCs ou atropelamentos acabam nos atingindo antes da tetraplegia, mas isto é mero artifício estatístico.... Dada uma quantidade infinita de vidas, ou muito grande delas, como acreditam alguns, é probabilisticamente inevitável que, em algum momento, algum acidente tetraplegicamente incapacitante nos atinja. Portanto, para evitá-la, é necessário ser definitivamente mortal E sortudo. Dá para dizer que tetraplegia está para a eternidade como a gonorréia está para a AIDS: a primeira, se foder, pegou. A segunda, se pegar, fodeu.
Bem, estou indo desafiar a tetraplegia, e muito colateralmente cuspir no olho da eternidade, logo mais. Logo após fazer a reserva, anteontem, passei a sentir uma curiosa calma, semelhante àquela dos que recebem a notícia do câncer incurável... Mas agora, quando apenas alguns minutos me separam do salto, o instinto de sobrevivência insiste em se fazer notar. E os vasos sanitários já receberam 4 visitas minhas em menos de hora e meia...

Momentos derradeiros agora... Aumenta o pânico não do rompimento da corda, o que não seria problema, e sim solução, mas de algo como descolamento de retina. Um dos funcionários conta que o incidente mais grave ocorrido nos 12 anos desta rapinagem monetária foi um ombro deslocado. Volto a ficar apenas apavorado, não mais em franco pânico. Bom, é isso, vamos nessa !

E o bungy jump é a ejaculação precoce dos esportes radicais. Quando você mal espera, já acabou. Lembro-me dos dois segundos de "agora ferrou" quando estava marchando lá na prancha, do centésimo de segundo de absoluto terror ao pular em direção ao irreversível, de escutar meus próprios gritos involuntários, e  então já havia terminado. Não há tempo para estudar a queda, consultar as próprias sensações, sentimentos, quiçá pensamentos. Espertamente, eles oferecem ali, na chincha, um segundo salto por 129 dólares adicionais. Concluí que já havia arriscado minhas retinas, arteríolas encefálicas e provisões monetárias o suficiente por um dia, e que provavelmente o segundo e terceiro salto também pouco bastariam. Espero que um dia, quando eu estiver pendurado não numa corda, mas na Ana Paula Arósio, a coisa dure mais tempo.

Dia 17 - Queenstown



Algumas experiências são tão salientes no repertório de comportamentos humanos que, não importa se temos alguma vocação ou interesse específico por elas, é empobrecido passar pela vida sem tê-las ao menos provado. Como fumar um baseado. Visitar Paris. Dar a bunda. Das três, duas já fiz. E há então o suicídio, desde Camus a única questão filosófica realmente relevante. O mais radical ato de afirmação de liberdade humana, também o derradeiro. A iniciativa com a qual alguns pontuam suas existências para que a enunciação destas ganhe sentido. Ou com a qual renunciam definitivamente à fantasia de que algum sentido maiúsculo é possível. O que diferencia o suicídio da, como já citada, sodomia, é sua irreversibilidade, mesmo após muitas semanas do uso intensivo de Hipoglós dinossauro, o que torna tecnicamente difícil usufruir de uma amostra grátis.
E eis que então, há umas tantas semanas, uma amiga com quem eu conversava sobre minha iminente viagem à Oceania, descreveu o salto de bungy jump que havia dado como uma experiência de quase-suicídio, e dentro de mim se fez luz (não, continuo não falando de sexo anal...). Acabo de agendar meu salto para amanhã!!! A maior e mais célebre plataforma para esta atividade no planeta. 260 exorbitantes dólares, não reembolsáveis. O cagaço me devora e me consome, mas minha mesquinhez é bom motivo para impedir meu acovardamento. Amanhã, por 6 segundos e 134 metros, morrerei um pouquinho. E, se tudo der certo (ou errado, dependendo do referencial), descreverei tudo para vocês um ou dois abnegados leitores.